Grande nuvem de poeira do Saara avança para o Brasil

Uma grande nuvem de poeira do deserto do Saara avança neste momento sobre o Oceano Atlântico e vai alcançar áreas das Américas Central e do Norte assim como a porção Norte da América do Sul, incluindo a região da Amazônia brasileira. Trata-se de uma fenômeno comum e que ocorre todos os anos.

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A nuvem de poeira do Saara deve inibir neste fim de julho a formação de ciclones tropicais no Atlântico Norte com um começo de temporada de furacões na região mais calmo que nos últimos anos.
No Brasil, cientistas amazônicos observam os impactos diretos desse mesmo fenômeno a milhares de quilômetros de distância. A conexão entre o maior deserto quente do mundo na África e a maior floresta tropical do planeta é um exemplo poderoso de como os sistemas climáticos estão interligados globalmente.
No primeiro trimestre de 2025, o Observatório da Torre Alta da Amazônia (Atto), situado a cerca de 150 km ao norte de Manaus, registrou três episódios marcantes de chegada de poeira mineral do Saara. Os eventos ocorreram entre os dias 13 e 18 de janeiro, 31 de janeiro e 3 de fevereiro, e de 26 de fevereiro a 3 de março, com concentrações de partículas finas (PM2.5) que chegaram a 20 microgramas por metro cúbico.
Essas concentrações representam valores quatro a cinco vezes superiores à média histórica para essa época do ano, que gira em torno de 4 µg/m³. Embora invisível a olho nu, diferentemente da “chuva vermelha” vista ocasionalmente na Europa, a presença dessas partículas pode ser detectada por instrumentos altamente sensíveis localizados no topo da torre de 325 metros do Atto, instalada no meio da floresta.
A origem do fenômeno está na elevação de poeira durante tempestades de vento no Saara, que suspende partículas até altitudes entre 2 km e 5 km, onde são então transportadas pela circulação atmosférica. A depender das condições meteorológicas, essas partículas podem cruzar o oceano Atlântico em um período de 7 a 14 dias, percorrendo distâncias superiores a 5.000 km.
A chegada da poeira à América do Sul é favorecida, nos primeiros meses do ano, pela posição mais ao sul da Zona de Convergência Intertropical, um cinturão de nuvens e ventos que circunda a Terra próximo ao equador. É essa configuração atmosférica que determina se as partículas atingirão a Amazônia, o Caribe ou a América do Norte.
Segundo Rafael Valiati, doutorando do Instituto de Física da USP que estuda os dados do Atto, a atmosfera amazônica no primeiro semestre costuma ser dominada por partículas de origem natural, com baixas concentrações de material mineral. Por isso, episódios como os de 2025 são considerados “razoavelmente intensos” e muito visíveis nas séries temporais dos equipamentos de medição.
No entanto, a intensidade do transporte varia bastante ano a ano, dependendo da quantidade de poeira gerada no deserto, da velocidade dos ventos e da ocorrência de precipitação durante o trajeto. A chuva é um fator crítico, pois remove as partículas da atmosfera, impedindo que cheguem até a América do Sul com força.
De acordo com os pesquisadores do projeto Atto, os efeitos ecológicos da poeira do Saara ainda estão sendo estudados, mas há consenso de que o potássio e o fósforo presentes no material mineral contribuem para a fertilidade do solo amazônico. Em um ambiente em que os nutrientes se esgotam rapidamente, esse aporte externo ajuda a sustentar a floresta em longo prazo.
Carlos Alberto Quesada, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e coordenador brasileiro do Atto, afirma que os minerais trazidos da África representam uma fonte natural de fertilização que complementa o ciclo biogeoquímico da floresta. Esse transporte intercontinental, embora invisível à maioria das pessoas, é parte fundamental da dinâmica ecológica regional.
Além dos impactos ecológicos, a poeira também afeta o clima. Estudos indicam que as partículas minerais podem atuar como núcleos de condensação de nuvens, alterando o regime de chuvas. Em algumas condições, a presença da poeira pode suprimir a formação de nuvens profundas, contribuindo para redução da precipitação local.
Outro efeito estudado é o impacto sobre a qualidade do ar. Embora os níveis registrados no Atto estejam bem abaixo dos padrões de perigo para a saúde, eventos mais intensos em áreas urbanas da Amazônia poderiam representar um risco, especialmente para pessoas com doenças respiratórias. Monitoramentos contínuos ajudam a prever essas situações com antecedência.
O Atto é uma colaboração entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o Instituto Max Planck, da Alemanha. O projeto visa compreender as interações entre floresta e atmosfera e os efeitos das mudanças climáticas sobre a Amazônia. É o maior centro de monitoramento climático e ecológico da floresta tropical no hemisfério sul.
Em um momento em que os sistemas climáticos do planeta estão sob pressão, a observação da poeira do Saara sobre a Amazônia serve como lembrete de que o clima não respeita fronteiras. O que começa como uma tempestade de areia no norte da África pode terminar como adubo natural nos solos da floresta amazônica, fechando um ciclo invisível, porém essencial, que une desertos e selvas em um mesmo planeta em transformação.
Autor: MetSul
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