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As semelhanças e diferenças do desastre gaúcho e a catástrofe na Líbia

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Cidade líbia de Derna foi destruída após enchente catastrófica | AFP/METSUL METEOROLOGIA

O Rio Grande do Sul enfrentou na noite do dia 4 e no começo do dia 5 deste mês um dos piores desastres naturais da sua história. Uma cheia histórica e muito rápida do Rio Taquari levou a uma enchente catastrófica que inundou e devastou cidades do Vale do Taquari. Autoridades ainda buscam corpos com 47 mortes confirmadas e nove desaparecidos pela chuva no Rio Grande do Sul.

Na África, uma semana depois, chuva extraordinária provocou uma enchente catastrófica entre os dias 10 e 11 na Líbia. Mais de 5 mil pessoas morreram nas inundações devastadoras que atingiram a cidade costeira de Derna e há milhares de desaparcidos. As mortes incluem 3.190 pessoas que já foram enterradas. Ao menos 400 estrangeiros, principalmente do Sudão e do Egito, estão entre as vítimas.

Os episódios do Rio Grande do Sul e da Líbia se juntam a outros de chuva extrema com graves inundações e precipitações recordes que assolaram nestas primeiras duas semanas de setembro países como a Espanha, a Grécia e a China.

Hong Kong teve o maior volume de chuva em apenas uma hora desde o começo das medições com 158,1 mm de precipitação entre 23h e 0h, horário de Hong Kong, no final do dia 7. No Centro da Grécia, algumas cidades experimentaram inundações catastróficas após chuva que passou de mil milímetros. Houve locais em que choveu o que costuma cair, em média, em três anos de precipitação.

Todos estes eventos extremos de chuva ocorrem após o julho e o agosto mais quentes que já foram registrados no planeta com um processo acelerado de aquecimento planetário. Como contribuintes da elevação da temperatura planetária estão as emissões antropogênicas de gases do efeito estufa, o fenômeno natural El Niño com forte intensidade, maior atividade solar e uma quantidade extraordinária de água gerada pela erupção do vulcão de Tonga que alcançou a estratosfera e aquece o planeta.

Muito distantes uma da outra, o desastre do Rio Grande do Sul e a catástrofe na Líbia possuem em comum diversos aspectos, mas também grande diferenças que passam por clima, relevo e condição política. A seguir, a MetSul Meteorologia examina o que os dois desastres têm em comum e as diferenças.

Chuva extraordinária e recorde nos dois desastres

Os desastres gaúcho e líbio têm em comum volumes extraordinários de chuva. O Norte e o Nordeste gaúcho, entre os dias 3 e 4 de setembro, anotaram acumulados extremos de chuva, o que resultou na vazão excepcional no sistema Taquari-Antas que levou à enchente catastrófica no Vale do Taquari.

Foram observados acumulados de chuva de 200 mm a 400 mm em grande parte da Metade Norte gaúcha. Estação particular chegou a anotar 390 mm na região de Passo Fundo. A estação oficial do Instituto Nacional de Meteorologia em Passo Fundo anotou o maior volume em 24 horas para o mês de setembro desde o começo das medições em 1913 com 164,4 mm até 9h do dia 4. O mesmo ocorreu com a estação de Cruz Alta, com dados desde 1912, que registro 160,8 mm em 24 horas até 9h do dia 4.

Foto aérea da cidade gaúcha de Roca Sales mostra áreas em ruínas depois da enchente catastrófica do dia 4  SILVIO ÁVILA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Foto aérea mostra a área central da cidade líbia de Derna destruída após a parede de água da enchente | MOHAMMED BONJA/ANADOLU AGENCY/AFP/METSUL METEOROLOGIA

O Centro Metrológico Nacional da Líbia registrou na localidade de Bayda um recorde de 414,1 milímetros de chuva de domingo para a segunda-feira. Bayda recebe apenas cerca de 12,5 mm em média em setembro e cerca de 550 mm de chuva em um ano médio. Choveu, assim, quase a média anual em poucas horas.

Situações meteorológicas distintas

A chuva extrema no Rio Grande do Sul entre os dias 4 e 5 foi consequência da atmosfera extremamente instável devido a um centro de baixa pressão sobre o estado. Um rio atmosférico intenso trazia muita umidade da Amazônia para o território gaúcho juntamente com um corredor de vento em baixos níveis da atmosfera com ar quente.

Ao mesmo tempo, uma frente fria avançava e encontrou o ar quente sobre o Sul do Brasil, o que reforçou a chuva e os temporais que já ocorriam antes pela baixa pressão que só foi dar lugar a um ciclone no oceano, quando a chuva extrema já havia ocorrido nas cabeceiras do Rio Taquari.

Poderosas áreas de instabilidade (sem ciclone) sobre a Metade Norte gaúcha na noite do dia 3 e que trouxeram a chuva extrema da enchente | NOAA

Ciclone tropical Daniel sobre a Líbia | NASA

Na Líbia, a chuva excepcional decorreu de sistema de baixa pressão em altos níveis da atmosfera, que recebeu o nome Daniel, e que depois fez a transição para um “medicane”, ou seja, um ciclone tropical mediterrâneo.

Medicanes são ciclones que se formam sobre o Mar Mediterrâneo durante os meses mais quentes, normalmente no final do verão e no outono. Muitas vezes conseguem assumir algumas das características de ciclone tropical (centro de baixa pressão quente), apesar do pequeno tamanho do Mediterrâneo e da localização em latitudes médias.

Solos muito diferentes no vale e na Líbia

A chuva extrema que ocorreu na Líbia se deu em uma região desértica. Ambientes desérticos extremamente secos trazem condições ideais para inundações repentinas. O solo seco não absorve a água da chuva rapidamente. Consequentemente, e sem aviso prévio, fortes chuvas nestas regiões áridas podem provocar inundações repentinas.

As valas secas, canais e leitos de lagos dos desertos são propensos a violentas ondas de água quando chove forte. Paredes de água com três a nova metros de altura não são incomuns. As tempestades no deserto são conhecidas por serem inesperadas e são fortes o suficiente para arrancar árvores e deslocar pedras.

Imagem de satélte mostra que a chuva inundou áreas do deserto líbio | COPERNICUS

Enchente inundou áreas com grande cobertura vegetal no Taquari | MAXAR

No Rio Grande do Sul, a chuva, ao contrário, se deu numa área com ampla cobertura vegetal e com solo úmido. Os volumes de chuva excessivos se deram nas cabeceiras dos Campos de Cima da Serra e a vazão desceu entre os morros cobertos de árvores da Mata Atlântica da Serra.

Barragens

A catástrofe da Líbia passa por duas barragens que se romperam. No Rio Grande do Sul, não. Havia duas grandes barragens a montante da cidade devastada Derna que, por exemplo, não tinham manutenção desde 2002. Por outro lado, não eram muito grandes e a primeira tinha apenas 70 metros de altura.

Depois que uma barragem rompeu, a segunda enfrentou uma batalha perdida. Não só teve que lidar com fortes chuvas que ainda caíam durante a tempestade, mas também foi atingida por uma violenta parede de água liberada com força por trás da outra barragem.

A força multiplicada da água só foi reforçada devido à diferença de elevação entre a primeira e a segunda barragem, e a vazão derrubou a segunda barragem no caminho para Derna e, finalmente, para o mar.

Descendo o rio, a água percorreu aproximadamente 12 quilômetros desde o topo da primeira barragem antes de chegar ao mar, na costa de Derna. Especialistas estimam que 30 milhões de metros cúbicos de água foram liberados quando as barragens romperam, o equivalente a 12 mil piscinas olímpicas.

No Rio Grande do Sul, não houve rompimento de barragens e tampouco interferência de usinas no desastre. Nenhuma das usinas no Rio das Antas possui comportas capazes de controlar a vazão das represas. A região tem três hidrelétricas — Castro Alves, Monte Claro e 14 de Julho —e nenhuma delas possui comportas ou estruturas semelhantes que poderiam ser utilizadas para controlar o fluxo de água.

Enchente catastrófica e muito rápida

Tanto na cidade Líbia de Derna como nos municípios do Vale do Taquari um ponto em comum. A enchente foi catastrófica e muito rápida. Em Derna, uma enorme parede de água de muitos metros de altura, que rende a analogia com um tsunami, invadiu a cidade rapidamente com o estouro das duas barragens pela chuva e varreu parte da localidade de 100 mil habitantes. Tudo no caminho perto da torrente que escoou junto a um canal foi destruído, inclusive prédios altos.

Torrente de água levou tudo pela frente em Muçum (RS) | SÍLVIO ÁVILA/AFP/METSUL METEOROLOGIA

Parede de água de muitos metros invadiu Derna | AFP/METSUL METEOROLOGIA

No Rio Grande do Sul, as águas do Rio Taquari também invadiram as cidades do vale com uma enorme rapidez e violência, arrastando casas e carros, e destruindo comércios. A cheia do Rio Taquari foi de proporções históricas e atingiu níveis que somente foram vistos uma vez desde o começo das medições no século 19. O nível medido em Estrela e informado pela Prefeitura da cidade chegou a 29,62 metros. A cota medida é a segunda maior já aferida na cidade. O nível de 29,62 metros se aproximou do recorde oficial de 29,92 metros, da grande enchente no Rio Grande do Sul de maio de 1941.

A UHE (Usina Hidrelétrica de Energia) Castro Alves, no Rio das Antas, mantida pela CERAN (Companhia Energética Rio das Antas) tem uma vazão média de longo período de 162 metros cúbicos por segundo. Já a chamada vazão decamilenar (10 mil anos) estimada por complexos cálculos de engenharia é de 9.011 metros cúbicos por segundo. Na segunda-feira (4/9), a UHE Castro Alves teve vazão afluente registrada de 9.783 metros cúbicos por segundo às 18h.

A vazão afluente espantosa do fim da tarde de segunda-feira, portanto, ficou acima da vazão decamilenar projetada. A vazão decamilenar é aquela cujo período de retorno ou tempo de recorrência (TR) é de 10.000 anos. Isso significa que esse valor pode ser igualado ou superado a cada dez mil anos, pelas estimativas de probabilidade. A probabilidade de ocorrência deste evento é igual ao inverso do TR, ou seja, 0,01%.

 

Autor: MetSul

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